AULA DE LITERATURA - Turmas: 100 e 101
PROFª.: HELAYNE ARAÚJO
Referente a semana 04/05 a 08/05/2020
TROVADORISMO
É chamado de trovadorismo o primeiro movimento
artístico que se deu na poesia europeia,
sobretudo a partir dos séculos XI e XII. Composto por cantigas líricas e satíricas, escritas pelos trovadores,
que dão nome ao movimento, era um híbrido entre a linguagem poética e a música.
Acompanhados de instrumentos
musicais e de dança, os trovadores viajavam entoando suas cantigas. Foi um dos
gêneros literários mais populares da Idade Média, ao lado das
novelas de cavalaria, expressão da prosa no período.
Contexto
histórico
Os trovadores
recitavam as cantigas com o acompanhamento de instrumentos musicais.
O trovadorismo desenvolveu-se
durante o período medieval, principalmente a partir do século XII. À época, não existiam
ainda os Estados nacionais — a Europa encontrava-se
dividida em feudos, grandes
propriedades controladas pelos suseranos. O valor, na Idade Média, não era
fundamentado no dinheiro, mas na posse territorial. Por esse motivo, o
cotidiano medieval era marcado por muitas guerras, batalhas e invasões com o intuito da
conquista de território.
Estabeleceu-se, então,
uma relação
de suserania e vassalagem: o suserano, senhor do feudo, precursor da nobreza europeia,
oferecia proteção aos seus vassalos que, em troca, produziam os bens de
consumo: cultivavam, fiavam, forjavam as armas etc.
Com o declínio do Império Romano, a
partir dos séculos IV e V, o latim vulgar, língua oficial de Roma, passou a sofrer modificações entre os povos
dominados. Foi nesse longo período da Idade Média que começaram a surgir as línguas neolatinas, como o português, o espanhol, o
francês, o italiano, o romeno e o catalão. No entanto, foi apenas no século XIV
que o português surgiu como língua oficial; as cantigas dos trovadores foram,
portanto, escritas em um outro dialeto: o provençal.
Características
do trovadorismo
As obras do trovadorismo são
chamadas cantigas, pois eram escritas para serem declamadas (não
havia cultura do livro na Idade Média, a população era em grande parte
analfabeta e ainda não havia sido inventado o livro impresso), e frequentemente eram acompanhadas de instrumentos
musicais, como a lira, a flauta, a viola.
Enquanto o compositor (de
origem) era chamado de trovador, o músico era chamado de menestrel.
Chamava-se segrel o trovador profissional, cavaleiro que
ia de corte em corte divulgando suas cantigas em troca de dinheiro.
Havia ainda o jogral,
cantor de origem popular que interpretava cantigas de outrem e compunha as suas
próprias. As baladeiras ou soldadeiras eram as dançarinas e cantoras que também os
acompanhavam nas apresentações e dramatizações das cantigas.
Trovador tocando uma
lira, instrumento musical que deu o nome ao gênero lírico.
O trovadorismo foi um movimento itinerante,
isto é, os grupos de trovadores e menestréis viajavam pelas cortes, burgos e
feudos, divulgando em suas composições acontecimentos políticos e propagando ideias,
como a do comportamento amoroso esperado de um cavaleiro apaixonado.
O amor é
um dos temas centrais do trovadorismo. É o eixo condutor das cantigas de amor e
das cantigas de amigo. É comum o tema da coita (coyta),
palavra que designa a dor do amor, do trovador apaixonado que sente no corpo a
não realização amorosa. Daí a origem da palavra “coitado”: aquele que foi
desgraçado, vítima de dor ou mazela.
Os trovadores escreveram ainda outros
dois tipos de cantiga: as de escárnio e as de maldizer,
dedicadas a satirizar e ridicularizar.
É comum que haja paralelismo nas
cantigas: cada ideia desenvolve-se a cada duas estrofes — ou, na verdade,
cobras. A nomenclatura da época era diferente: a estrofe chamava-se cobra, o
verso chamava-se palavra.
Trovadorismo
em Portugal
O trovadorismo galego-português
desenvolveu-se, em termos gerais, em finais
do século XII. Os pesquisadores apontam sua gênese
em uma cantiga de Paio Soares de Taveirós dedicada a Maria Pais Ribeiro, a favorita do
rei Sancho I, que viveu entre os anos de 1154 e 1211.
É importante salientar que a literatura portuguesa do século XII não possuía ainda uma noção de
identidade nacional plenamente instituída. O
território fazia parte do Condado Portucalense e do Condado da Galícia, terras
dadas como presente de casamento a soldados cruzados que desposaram duas moças
nobres.
D. Afonso I Henriques transformou
os dois condados em um reinado, mas ele mesmo só foi reconhecido como monarca
ao reconquistar essas terras resguardado pelo poder e força da
cristandade. A identidade dos trovadores, portanto, não era portuguesa, mas ibérica e hispânica. A origem desses compositores era Leão, Galícia, o
reino português, Castela etc.
Foi Dom Dinis I, no
final do século XIII, quem estabeleceu a língua
galego-portuguesa como oficial do reino,
junto às primeiras universidades. E ele mesmo era um rei-trovador. O monarca
poeta queria que Portugal se constituísse como
nação de fato, incentivando a identidade cultural e o
trovadorismo. O movimento foi, portanto, muito importante para o
desenvolvimento do idioma e da cultura portuguesa.
Autores e
obras do trovadorismo
Houve grande número de autores das
cantigas galego-português, parte deles de origem desconhecida, anônima. Sabe-se,
contudo, que a arte trovadoresca é, em sua grande maioria, de autoria dos
grandes senhores medievais ibéricos. Além dos trovadores, havia também os
jograis, autores que provinham das classes populares, que não apenas
interpretavam as cantigas mas também as compunham.
Ilustração de um jogral medieval tocando um alaúde.
Dos autores mais conhecidos, destacam-se João Soares de
Paiva, autor mais antigo presente nos manuscritos, João Zorro, Martin Codax,
Paio Soares de Taveirós, João Garcia de Guilhade, Vasco Martins de Resende e os
reis D. Dinis I e Afonso X.
As obras do trovadorismo
constituem de pergaminhos e manuscritos. O que chegou até nossos dias está compilado nos Cancioneiros. São mais conhecidos os
pergaminhos Vindel e Sharrer, por possuírem notação musical. Com base neles, foram feitas
gravações contemporâneas de algumas cantigas, como “Ondas do mar de Vigo”, do
jogral Martin Codax, permitindo que possamos ouvir as cantigas conforme foram
idealizadas por seus autores.
Cantigas
As cantigas dividem-se em
dois tipos: lírico e satírico.
· Cantigas líricas
Cantigas líricas são as de temática
amorosa, e possuem dois tipos: cantigas de amor e cantigas de amigo.
o Cantigas de amor
Gênese da poesia amorosa que
surgiria nos séculos seguintes, a cantiga de amor é cantada em 1ª pessoa. Nela, o trovador declara seu amor por uma dama,
geralmente acometido pela coita, a dor amorosa diante da indiferença da amada.
A confissão amorosa é direta, e o trovador comumente
dirige-se à dama como “mia senhor” ou “mia senhor fremosa” (“minha senhora” ou
“minha formosa senhora”), em analogia às relações de senhorio e vassalagem
medievais. O apaixonado é, portanto, servo e vassalo da amada e enuncia seu
amor com insistência e intensidade.
Mesura1 seria, senhor2,
de vos amercear3 de mi,
que vós em grave4 dia vi,
e em mui grave voss’amor,
tam grave que nom hei poder
d’aquesta coita mais sofrer
de que muit’há fui sofredor.
de vos amercear3 de mi,
que vós em grave4 dia vi,
e em mui grave voss’amor,
tam grave que nom hei poder
d’aquesta coita mais sofrer
de que muit’há fui sofredor.
Pero sabe Nostro Senhor
que nunca vo-l’eu mereci,
mais sabe bem que vós servi,
des que vos vi, sempr’o melhor
que nunca pudi fazer;
por em querede-vos doer
de mim, coitado pecador.
que nunca vo-l’eu mereci,
mais sabe bem que vós servi,
des que vos vi, sempr’o melhor
que nunca pudi fazer;
por em querede-vos doer
de mim, coitado pecador.
[...]
(D. Dinis, em Cantigas de D. Dinis, B 521b, V 124)
[1] mesura: “cortesia”
[2] senhor: “senhora”. Os sufixos
terminados em “or” não possuíam flexão feminina.
[3] amercear: “compadecer-se, sentir
compaixão”
[4] grave: “difícil, infeliz”
Nessa cantiga, o trovador
espera que a dama tenha a cortesia de sentir compaixão por ele. Sofrendo, diz
que foi infeliz o dia em que a conheceu e mais infeliz ainda o amor que por ela
sentiu, tão difícil que não pode mais sofrer da coita, pois que há muito
é sofredor. Sabe Deus que ele nunca
mereceu esse sofrimento, sabe Deus que ele sempre ofereceu à dama o seu melhor
e diz que ela é que quer vê-lo padecer, coitado pecador.
o Cantigas de amigo
Embora compostas por
trovadores homens, representam sempre uma voz feminina. É a dama quem vai expor
seus sentimentos, sempre de maneira discreta, pois, para o contexto provençal,
o valor mais importante de uma mulher é a discrição. A donzela dirige-se por
vezes à sua mãe, a uma irmã ou amiga, ou ainda a um pastor ou alguém que
encontre pelo caminho. Existem sete categorias de cantigas de amigo:
- as albas, que cantam o nascer do Sol;
- as bailias, que cantam a arte da dança;
- as barcarolas, de temática marítima;
- as pastoreias, de temática bucólica;
- as romarias, de celebração religiosa;
- as serenas, que cantam o pôr do Sol;
- as de pura soledade, que não se enquadram em nenhum dos temas anteriores.
- as bailias, que cantam a arte da dança;
- as barcarolas, de temática marítima;
- as pastoreias, de temática bucólica;
- as romarias, de celebração religiosa;
- as serenas, que cantam o pôr do Sol;
- as de pura soledade, que não se enquadram em nenhum dos temas anteriores.
Oy eu, coytada, como vivo em
gran cuydado
por meu amigo que ey alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda
por meu amigo que ey alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda
Oy eu, coytada, como vivo em
gran desejo
por meu amigo que tarda e non vejo!
Muyto me tarda
o meu amigo na Guarda
por meu amigo que tarda e non vejo!
Muyto me tarda
o meu amigo na Guarda
(D. Sancho I ou Alfonso X
[autoria duvidosa], Cancioneiro da Biblioteca Nacional, B 456)
Nessa cantiga, verifica-se
que a donzela também sofre as penosas dores do amor, da distância entre ela e o
amado, oficial da guarda, que há muito não vê. Percebemos, entretanto,
que o discurso
amoroso é mais sutil, não é dirigido diretamente ao rapaz; trata-se de um lamento de saudade.
· Cantigas satíricas
Destinam-se a ironizar ou difamar determinada pessoa.
Existem dois tipos de cantigas satíricas: as de escárnio e as de maldizer.
o
Cantigas de escárnio
São mais irônicas e trabalham sobretudo
com trocadilhos e palavras de duplo sentido, sem mencionar diretamente nomes.
São críticas
indiretas:
é um “mal dizer” de maneira encoberta, insinuada.
Ai dona fea, fostes-vos
queixar
que vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
que vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi perdom,
pois havedes [a]tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero já loar todavia;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
pois havedes [a]tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero já loar todavia;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei
em que vos loarei todavia;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei
em que vos loarei todavia;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
(João Garcia de
Gilhade, Cancioneiro
da Biblioteca Nacional, B 1485 V 1097)
Nessa cantiga de escárnio, o
trovador responde a uma dama que se teria queixado de nunca ter recebido dele
nenhuma trova. Irônico, ele diz que fará, então, uma cantiga para louvá-la,
chamando-a “dona feia, velha e louca [sandia]”.
o Cantigas de
maldizer
São aquelas em que os trovadores
apontam direta e nominalmente o alvo de suas sátiras, de forma
propositalmente ofensiva e fazendo uso de vocabulário grosseiro.
Da mulher vossa, ó meu Pero
Rodrigues
Jamais creiais no mal que falam dela.
Pois bem sei eu que ela por vós mui zela,
Quem não vos quer vos traz somente intrigas!
Pois quando deitou ela em minha cama,
A mim mui bem de ti ela falava,
Se a mim deu o corpo, é a vós quem ela ama.
Jamais creiais no mal que falam dela.
Pois bem sei eu que ela por vós mui zela,
Quem não vos quer vos traz somente intrigas!
Pois quando deitou ela em minha cama,
A mim mui bem de ti ela falava,
Se a mim deu o corpo, é a vós quem ela ama.
(Martim Soares, versão de
Rodrigues Lapa, em Crestomatia arcaica)
Cancioneiros
As cantigas do trovadorismo chegaram
até nosso conhecimento pelo registro dos Cancioneiros. Trata-se de livros, geralmente manuscritos, que
são compilados com as letras e, às vezes, notações musicais
das canções, além de ilustrações. São três os principais Cancioneiros.
· Cancioneiro da ajuda: compilação de textos do século XIII foi
descoberto na biblioteca do Colégio dos Nobres apenas no início do século XIX.
Possui 310 cantigas, em sua maioria de lírica amorosa, e permaneceu inacabado,
o que é perceptível por possuir iluminuras com as pinturas incompletas ou ainda
apenas com o desenho traçado.
Folha do manuscrito
do Cancioneiro da ajuda, conjunto de poemas escritos no século XII.
·
Cancioneiro da
Biblioteca Nacional: manuscrito copiado na Itália no
começo do século XVI, por iniciativa do humanista Angelo Colocci, com base em outro
manuscrito de origem medieval desconhecida. Contém 1560 poemas de cerca de 150
trovadores e menestréis galego-portugueses, compostos entre os séculos XII e
XIV, nos gêneros líricos amorosos e sátira.
·
Cancioneiro da
Vaticana: também copiado por Angelo Colocci, na
Itália, recebe esse nome por ter sido encontrado na Biblioteca do Vaticano. É
composto de 1205 cantigas, das quais 138 são de autoria de D. Dinis.
Resumo
·
Foi um movimento poético-musical;
·
Desenvolveu-se na Idade Média, entre os
séculos XI e XIV;
·
As composições chamavam-se cantigas e
eram geralmente acompanhadas de música e dança;
·
Cantigas de amor (cavaleiro declara
amor e coita à dama);
·
Cantigas de amigo (sempre na voz
feminina);
·
Cantigas de escárnio (ironia e crítica
indireta);
·
Cantigas de maldizer (ofensivas e
diretas citando nomes);
·
As cantigas chegaram aos nossos dias
graças aos Cancioneiros;
·
Os trovadores oficiais tinham linhagem
nobre, incluindo reis, mas havia também os jograis, nascidos nas camadas
populares;
·
Apreciada pela corte, a obra
trovadoresca foi importante instrumento de consolidação da cultura e do idioma
português.
ATIVIDADE: Leitura do material sobre as Eras das literaturas portuguesa e brasileira; Tradições literárias e Trovadorismo.
ATENÇÃO: O MATERIAL É PARA ESTUDO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário